O pastor Flávio Amaral, conhecido por liderar o movimento “Libertos por Deus” (LPD), é alvo de uma investigação conduzida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), por meio da Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (PRÓ-VIDA). A apuração gira em torno de um suposto esquema envolvendo cirurgias plásticas realizadas no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), em Brasília, com forte atuação de lideranças religiosas e uso indevido das imagens dos pacientes.
O caso foi revelado por André Luiz Ludovico Silva, que denunciou o pastor Flávio, sua esposa Andrea Castro, o médico Dr. Pacheco (Antonio José Trindade Pacheco), a senhora Osinete Castelo Branco Alves e o pastor Gustavo Martins Simão. Segundo André, que se identifica como travesti, ele foi convencido a realizar uma cirurgia para retirada de silicone das mamas, supostamente bancada com doações via Pix após apelos emocionais em redes sociais.
CIRURGIA FEITA PELO SUS, MAS DINHEIRO PEDIDO AO PÚBLICO
O procedimento foi realizado em 1º de setembro de 2022, no HRAN, mas todo o apelo nas redes sociais sugeria que André precisava levantar dinheiro para o procedimento. Os vídeos eram gravados no apartamento de Osinete, onde ele ficou hospedado por 44 dias. O dinheiro das doações, segundo a investigação, era transferido para uma conta pessoal do pastor Flávio Amaral.
Apesar das campanhas nas redes, o procedimento foi integralmente custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A investigação aponta que houve uma “vigilância” sobre André durante a estadia, inclusive com relatos de agressões verbais por parte de Osinete e ausência de cuidados adequados.
A investigação também revela que fotos da cirurgia de André foram tiradas sem autorização explícita enquanto ele estava anestesiado. As imagens foram feitas por Gustavo Simão e enviadas ao pastor Flávio Amaral. A justificativa foi de que seriam usadas em artigo científico, o que nunca ocorreu. André posteriormente pediu acesso às imagens, que foram encaminhadas por mensagem.
De acordo com o próprio pastor Gustavo, o caso de André foi discutido com a direção do HRAN, e firmou-se um acordo para realizar cirurgias semelhantes no hospital uma vez por mês, como parte do projeto social liderado por Flávio Amaral.
O RASTRO DE UMA SUPOSTA “MÁFIA DO SILICONE”
André relatou ainda que ouviu dos envolvidos que não esperavam que ele sobrevivesse à cirurgia. O temor da morte estaria ligado às condições precárias do procedimento e ao fato de que o material retirado de seu corpo era silicone industrial, considerado de alto risco. André chegou a acusar os envolvidos de fazer parte de uma “máfia do silicone”, que usaria os pacientes para mobilizar doações.
Outros nomes citados na investigação incluem Reginaldo Aparecido da Silva, que também passou por cirurgia semelhante, e relatou que aguardou sete anos pelo procedimento no SUS. Os fatos revelam disparidade gritante no acesso à fila, e o suposto uso político e religioso da estrutura pública de saúde.
ENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL E FALHAS NO SISTEMA DE REGULAÇÃO
O MP identificou que a cirurgia de André não possui registro no sistema de regulação da Secretaria de Saúde do DF (SISREG), o que levanta suspeitas sobre o trâmite. A ex-diretora do HRAN, Mariana Alcazas, relatou que muitos procedimentos estavam sendo realizados sem autorização da regulação, em alguns casos com entrada direta no centro cirúrgico.
O próprio Dr. Pacheco admitiu que o caso de André era grave, mas alegou não ter autorizado a captação de imagens. Posteriormente, processou André por calúnia e difamação, exigindo R$ 50 mil de indenização. Alega que as acusações prejudicaram o hospital e desestimularam novos atendimentos.
RELIGIÃO, INFLUÊNCIA E OMISSÕES DO ESTADO
A PRÓ-VIDA alerta para indícios de que grupos religiosos estão usando o sistema público de saúde para promover uma agenda ideológica, enquanto pacientes transgênros ficam fora da regulação. Segundo a Promotoria, o HRAN teria sido instrumentalizado para cirurgias não amparadas em legislação específica, alijando o Ambulatório LGBTQIA+ do HUB/UnB das decisões.
O MPDFT investiga se houve omissão de servidores e médicos que facilitaram essas cirurgias sem seguir os trâmites legais, levantando também a suspeita de favorecimento político, com citações ao gabinete do senador Izalci Lucas.
DESDOBRAMENTOS
A promotora Alessandra Campos Morato solicitou nova vista de 90 dias para ouvir os nomes citados e concluir diligências. Entre os que serão ouvidos estão Cybele Ribeiro Borges Pereira, Jefferson Lessa Soares de Macedo, Cássio Leão, Yasmine Oliveira, Fernando Marinho, Paulo de Tarso Muniz e o superintendente Paulo Roberto da Silva Júnior.
O caso segue sendo um dos mais graves exemplos de possível instrumentalização do SUS para fins ideológicos e de lucro, com envolvimento de líderes religiosos, servidores públicos e influenciadores digitais. O pastor Flávio Amaral, que também atua no YouTube ao lado da esposa Andrea Castro, nega as acusações e afirma que apenas ajudava pessoas em situação de vulnerabilidade.